quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Justiça feita!


José Cleves

Jornalista absolvido da acusação
de assassinar sua mulher

O jornalista José Cleves acaba de ser absolvido, pelo Superior Tribunal de Justiça, em última instância, da acusação de ter assassinado a mulher Fátima Aparecida, há oito anos. Provou sua inocência em vários julgamentos e provou que a "casa de caboclo" foi armada por policiais, como vingança pelas denúncias de corrupção policial, publicadas no jornal Estado de Minas. Agora, trabalhando no jornal Nova Lima Times, ele relata a angústia sofrida até o julgamento final.

Como você se sente, agora que o STJ encerrou de vez o seu caso, depois de quase oito anos de agonia?
É como se eu tivesse ganhado a liberdade. Aprendi que a injustiça dói mais do que qualquer outro tipo mal físico e psicológico. Por isso, ela está intrinsecamente ligada à violência.
Como o sr. vê o comportamento da polícia e da imprensa em seu caso?
Vejo a posição da polícia como a lenda do escorpião: Era natural que eu fosse picado, cedo ou tarde, pelas minhas provocações jornalísticas, porque está na natureza do mau policial envenenar os seus desafetos; já a imprensa não me picou por dolo, como diz o paradoxo socrático: erraram mais por falta de qualificação.
Explica melhor esse erro (ou falha) da imprensa?
Foram vários erros em todas as fases do meu caso. Repórter nenhum fiscalizou o inquérito e muito menos folheou o processo que não corria sob sigilo de justiça. Optou-se pelo jornalismo declaratório, aquela verborragia de escrever por ouvir falar. O contraditório não era justo naquela fase de trepidação moral do inquérito, porque a polícia falava sem apresentar as provas. E eu não podia invocar laudos, porque estavam todos eles sob o seu domínio. O acirramento do debate poderia piorar ainda mais a situação para o meu lado. Ora, existe um axioma jurídico que diz que o ônus da prova é de quem acusa, e isso valia também para aquele momento. Para se ter uma idéia dos erros da imprensa no meu caso, basta dizer que no jornal Hoje em Dia, ao noticiar o resultado do julgamento, o repórter disse que a balística era positiva, naturalmente repetindo a mentira que o delegado plantou na mídia na fase inicial das investigações, seis anos atrás. Reclamei e não houve retratação.
O Diário da Tarde manchetou que fui absolvido “por falta de provas” e repetiu, a partir do segundo parágrafo, a denúncia do promotor Guilherme Pereira Valle, também de seis anos atrás. Vai aqui um aviso a estes jornalistas:
1) balística positiva fecha qualquer inquérito, é prova direta, indefensável;
2) a justiça é soberana, de modo que em qualquer reportagem sobre julgamento, o critério jornalístico segue a linha da verdade presumida, ou seja: prevalece a sentença. Se o réu foi absolvido de 7 a 0, como foi o meu caso, é porque a sua versão foi dada como verdadeira. Se meu advogado apresentou aos jurados 10 laudos a meu favor, como pode a reportagem argüir falta de provas? Fui absolvido porque Marcelo Leonardo provou, nos autos, em todas as instâncias, e à unanimidade, que a arma foi plantada no local em um flagrante crime contra a liberdade de imprensa, porque o objetivo da polícia era interromper as denúncias que eu vinha fazendo contra a corrupção policial.
E aquela história inventada pela polícia de que o sr. usou uma luva para apagar as provas do crime, se o auto de apreensão dizia que a arma estava sobre um monte de pedras, como foi isso?
Este foi, sem dúvida, o maior erro da imprensa: acreditar na versão fantasmagórica da polícia que criou um entrecho típico das tragédias gregas satirizadas para explicar o inexplicável à guisa de uma critica que trocou o cepticismo natural dos bons jornalistas pela crença exacerbada dos burocratas da redação. Veja bem: diz a polícia, no processo, que eu comprei a arma de um desafeto (o militar que trabalhava no caça-níqueis, alvo de minhas denúncias). Teria matado a minha mulher com o uso de uma luva para apagar as provas do crime, depois depositei a arma sobre a luva nas proximidades da tragédia, chamei a polícia, quis ser ouvido no mesmo dia, onde fui submetido a exames para detectar se havia pólvoras no meu braço. No dia seguinte pedi que um promotor acompanhasse o caso. Criou-se, assim, a figura de um criminoso louco em busca de notoriedade. Sempre me dediquei muito a estudos literários sobre o comportamento do homem, as suas nevroses epilépticas, surtos, e outras anomalias psíquicas, e nunca vi algo igual. Nem nas tragédias gregas, nem nas obras fantásticas de Shakespeare, Dante, Racine e outros bambas da arte cênica que tanto contribuíram e contribuem até hoje para a ciência.
O senhor quer dizer que a imprensa acreditou em contos de carochinhas?
Acreditou no improvável, no inverossímel, no inimaginável, até porque, um homem em perfeito estado de equilíbrio mental, como eu, não enfeitaria a cena do crime para obter fama e cadeia; só se enfeita a cena do crime nos casos de magia negra, mesmo assim, escondido da polícia.
Qual era o seu maior temor durante todo o andamento deste processo?
Tinha receio de que o processo fosse trancado. Queria o julgamento justo para provar a minha inocência e sempre falei isso para o meu advogado Marcelo Leonardo. Temia não poder ter a oportunidade de mostrar à opinião pública que a polícia fraudou o processo, ao efetuar dois depósitos da arma, um no dia 12, sobre um monte de entulho, e o outro, dia 19, do revólver sobre um imenso pano preto, para parecer que era uma luva. Esta última foto foi anexada no laudo de levantamento do local em substituição à primeira. O pano desapareceu no Fórum. Está tudo no processo.
Depois que o caso estourou, o jornal Estado de Minas, onde eram publicadas suas denúncias, ficou indiferente com você?
Estão sempre me fazendo esta pergunta. Seria interessante que o próprio jornal respondesse isso. Trabalhei nos Diários Associados mais de 20 anos. Entrei e sai da empresa quatro vezes, sem nunca ter sido demitido. Sempre tive um ótimo relacionamento com os funcionários e a diretoria. Os diretores Zenóbio e Álvaro sempre me receberam bem. Eles compareceram ao lançamento do meu livro, uma semana após o assalto, sempre hipotecando apoio moral e dando demonstração de que acreditavam na minha inocência. Creio que houve um receio exagerado do diretor de redação, Josemar Gimenez, pelo corporativismo sem causa, aquela coisa de defender o indefensável, ainda que eu merecesse gestos de gratidão. Esta postura de prevenção do Josemar ficou clara numa conversa que tivemos, quando o informei sobre a estratégia de meu advogado para a defesa. Ele perguntou suspicaz: “O caso é defensável?! A cobertura do meu caso, portanto, limitou-se aos registros sucintos do fato. Não posso ser injusto com os meus colegas Ilson Lima, Maria Clara e Newton Cunha, que atuaram direta e indiretamente no caso. A carga de emoções em cima deles foi muito forte. Ninguém vela o corpo de um amigo sem extrapolar as emoções. Eles choraram comigo várias vezes, não sei se já imaginando o meu fim trágico, trancado na cadeia inocentemente, ou mesmo culpado, porque ninguém era obrigado a acreditar nas minhas palavras. O certo que eles são meus amigos.
O sr. tem demonstrado muita gratidão ao seu advogado, Marcelo Leonardo. Dizem até que ele fez a sua defesa de graça. É verdade isso?
Quando a policia começou a me acusar, Marcelo Leonardo ligou para a Maria Clara e se ofereceu para me defender. Ele acompanhou o meu depoimento, dia 15, quando fui indiciado, e depois da reconstituição do assalto, procurei-o acompanhado do meu filho Renato, para saber como seria a coisa dali em diante. Ele disse: “Você tem que me contar a verdade”. Respondi: “A verdade é essa, doutor, eu sou inocente”. Ele ficou pensando e eu emendei: “Não tenho dinheiro para pagar o senhor, mas tenho a minha inocência. Isso eu garanto”. Ele acreditou no que eu dizia e fez uma defesa brilhante, ética e competente, digna de uma monografia que seria de grande valor para o futuro da advocacia criminal. Virou um ombro amigo. Esta dívida a classe jornalística tem com ele, porque ele não defendeu um réu jornalista, mas um jornalista injustiçado, vítima de um crime de imprensa. O Dídimo Paiva, outro ombro amigo (tem ainda a Dinorah do Carmo, Vera Godoy, Aloísio Lopes, Nilmário Miranda, a professora Valéria Said, são vários), disse que os jornalistas mineiros não vão esquecer isso e que Marcelo Leonardo terá a gratidão de todos eles.

Assessoria de imprensa do Sindicato dos Jornalista Profissionais de Minas Gerais - SJPMG

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